A arte não tem que ser triste


Eu sei, é bem óbvio falar que a arte não tem que ser triste, mas fica comigo aqui que eu vou me explicar.

Recentemente, eu tive uma sessão de terapia que foi bem... difícil. Nela, eu falei um pouco sobre como me sentia a respeito de uma certa pessoa e como eu queria me desvencilhar desse sentimento, porque ele me atrapalha demais. Foi a segunda vez que eu chorei na terapia. Foi bem complicado, mas eu sei que valeu a pena. 

Na sessão seguinte, já não foi tão ruim, mas eu falei sobre esse mesmo sentimento que me assombra todos os dias há meses. Isso é até bem comum, eu entro em um assunto e fico algumas semanas falando sobre ele, até sentir que consegui compreender melhor e poder começar a lidar com ele da forma mais adequada possível.

E aí, nesse dia, surgiu um assunto a respeito da escrita. Eu falei recentemente em um outro texto que eu vejo a escrita como um lugar de desabafo e descompressão. É onde eu consigo me expressar melhor, um lugar sem julgamentos, sem soluções, sem conselhos. Somos apenas eu e as palavras em um papel (ou em uma tela). Eu disse, para a minha psicóloga, que eu sempre sinto que os textos que eu produzo quando estou triste são melhores. Eles me soam mais profundos, mais reais. Eu sempre gosto muito mais deles do que dos textos que escrevo quando estou me sentindo bem.

Nesse momento, ela fez uma provocação. Será que eu realmente acredito nisso ou eu só não quero enxergar que os meus sentimentos bons também podem gerar bons textos, pelo simples motivo de querer me manter no sentimento ruim, porque ele, de certa forma, é prazeroso? E aqui eu faço uma pausa nesse relato.

Não é bem prazer que eu sinto quando não estou bem, mas eu acredito que o sentimento ruim me afeta muito mais, ele interfere muito mais no meu físico ali no momento e esse sentir exacerbado me faz achar que deveria permanecer mais nesse sentimento. Enfim, é algo difícil de explicar, eu não consigo falar bem disso. Mas voltemos à sala de terapia.

Na minha visão, expliquei a ela, os textos tristes retratam minha realidade de uma forma mais crua, que se aproxima muito do real. Os textos de momentos felizes parecem ter um filtro com cores demais, devaneios, sonhos, que no dia a dia não são a realidade. Mas a pergunta é: qual é o problema disso tudo?

Querer me limitar a textos tristes, com muita crueza, tratando a realidade da forma mais próxima do que ela é, não é algo bom. O ser humano tende a dar mais atenção aos momentos ruins, muito porque — e aqui eu estou sendo puramente opinativo, me baseando apenas em vivência — a felicidade e a alegria são apresentadas para nós desde cedo como o normal, o nosso principal objetivo. Você não deve ter sentimentos ruins porque eles são dolorosos. Você tem que estar feliz e alegre o máximo de tempo que puder. Isso é errado!

No meio da nossa conversa, ela, minha psicóloga, me fez pensar em textos que eu tivesse escrito em momentos de felicidade e eu disse que esses eram raros, quase inexistentes. Olha, é muito estranho como a nossa cabeça consegue pregar peças na gente. Essa minha afirmação era uma mentira, que eu notei logo em seguida. A realidade é que uma boa parte do meu caderno está preenchida com textos positivos, comemorando momentos especiais ou pequenas felicidades do dia a dia. Textos verdadeiramente bons, profundos, que retratam a realidade com aquele filtro que citei, mas que ainda é a realidade, de certa forma.

A realidade mostrada pelos textos tristes não é a verdadeira realidade, porque nenhuma realidade que eu descrever é a verdadeira realidade. É um retrato dela, com um filtro, seja colorido, seja preto e branco, cheio de vieses e distorções, que servem para representar aquele momento e o que eu senti nele.

Hoje eu não estou feliz também, mas com certeza estou bem menos triste do que estava no último texto. E, para o Xico de 26 de fevereiro de 2025, especificamente às 22:15, é o retrato mais fiel da realidade. Da minha realidade nesse momento. Daqui a uma hora, não será mais, mas ele não vai deixar de ser bom (eu acho). Ele não perde importância e qualidade por ser um texto menos triste que o anterior. Ele só retrata outro momento, outro sentimento... outra realidade.

Eu posso dizer que esse é um texto, de certa forma, feliz. Pois eu entendi, enfim, que a minha arte não precisa ser feita só a partir da tristeza. A felicidade, assim como qualquer outro sentimento, pode ser o filtro da minha realidade.

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